quinta-feira, 13 de junho de 2019

A mercadoria

Bloco anticapitalista no 1º de maio de 2016 em Genebra
















O que faço não importa.
Alguém pensa por mim, me diz o que fazer.
E eu trabalho.
Ponho em movimento a energia potencial
do feijão que comprava fiado
e que hoje pago no cheque especial.

E um dia depois do outro eu sigo
esperando as horas passarem,
decidindo como encher
o tempo que não me pertence.
Posso ser eficiente
e carregar o piano nas costas,
ou posso ser displicente
e roubar minutos,
buscando ajustar as contas
entre o valor da paga e o do produto.

Quando chega o fim de semana
é aquela alegria partida.
Dois dias para fazer o que não fiz,
compras, faxina, pagamentos.
Dois dias para ser feliz,
ócio, leitura, amigos.
E como nada escapa à contradição,
nesse mundo cretino até sorrir pode virar obrigação.

No começo do mês, o suor entra na conta.
Vem carcomido e travestido de dinheiro.
Por trás do seu brilho especular,
onde se reflete tudo o que devo comprar,
vejo os traços dos outros que, assim como eu,
levam a vida a aguentar.

E então, sim, posso sorrir
pois aí também está a maldita contradição,
por trás do trabalho forçado, mandado,
a cooperação.
Ao patrão explorador não devo nada,
a não ser minha miséria.
Quem me dá o que comer,
onde morar e o que vestir não é ele,
somos nós.

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